sexta-feira, 7 de março de 2008

Texto sem Esperança

Caros alunos e navegantes,


Publiquei há alguns anos uma pequena crônica intitulada “Texto sem Esperança” sobre alguns pontos abordados na sala de aula. Coloco-a logo abaixo para incentivar pensamento de vocês a respeito. Se quiserem ler outras, visitem a Página de algumas de minhas publicações ou o blog “Crônicas de Tassos Lycurgo” em que, por sinal, esta crônica não foi publicada.

At.,

Lycurgo

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Texto sem Esperança

Por Tassos Lycurgo
http://www.lycurgo.org/

Conta a boa lenda — a qual não deixa de ter um ou mesmo dois quês de verdade — que o filósofo Schopenhauer teve direito ao seu experimento com a humanidade: todas as manhãs, durante certo período de sua vida, acordava e, logo depois, saía de casa e ia ao mesmo mercadinho, tomar o seu desjejum. Lá, invariavelmente, colocava uma moeda sobre a mesa antes de fazer o pedido. Semanas depois, perguntado sobre o porquê daquele ato, respondeu que era uma aposta que fazia consigo mesmo: se os cavalheiros da mesa vizinha falassem sobre algo minimamente profundo ou interessante, ele daria a moeda para o primeiro pedinte que encontrasse; caso contrário, voltaria a guardá-la para o próximo dia. Diz-se que passou meses com ela no bolso.


Definitivamente, não é meu intuito criticar o colóquio fútil, frívolo, mesquinho, mas, pelo contrário, gostaria de sublinhá-lo como sendo o ponto em que todos os homens se encontram, tornam-se um só e, portanto, justificam a identidade no que é humano. Como diz Goethe na Trilogie der Leidenschaft, os homens não são iguais, mas também não são totalmente diferentes. Assim, se há algo igual nesta diferença que reside em cada um de nós é o fato de nos encontramos em algum momento pensando ou falando sobre o que é medíocre. Dizem que os homens são como os animais de rapina: uns dão vôos muito altos, outros, nem tanto; mas todos, invariavelmente, encontram-se e igualam-se no chão, para saborear a carcaça, a carne putrefeita.


Conversas superficiais, portanto, são como os restos mortais e é lá onde toda a humanidade se iguala, torna-se uma só. É lá onde os prosadores encontram a interseção dos interesses humanos; é lá onde há a possibilidade da comunicação geral, coletiva: explica-se, aí, a qualidade do conteúdo do rádio, da tevê, da mídia em geral, mesmo da literatura e da arte cotidianas. Quase toda a produção cultural do homem intenta a mesmice, a pasmaceira, a monotonia. Eis, enfim, a infausta democratização do espírito humano, da qual Nietzsche tanto fugia e que os homens livres tanto detestam e repudiam, mesmo que esses homens livres vejam-se a si mesmos (muita vez, surpreendam-se a si mesmos) habitando o infausto, a banalidade, elogiando tudo o que parece mediocrismo.


Deste ambiente de banalidades, não sei se há saída convencional. Mesmo com os homens mais experimentados, cujas velhices já os consomem, não é diferente: seus pensamentos — maduros e elaborados — povoam os mais difíceis espaços, mas também, de surpresa, são encontrados no vil sítio da frivolidade. Inevitável é o vazio que há no que é fútil e medíocre. Parece que a alma é sugada, sutilmente, para tudo o que é baixo e vão.


Demonstra-se, assim, certa homogeneidade não apenas da perspectiva temporal, mas também espacial: todos se igualam no banal, em qualquer época, em qualquer lugar. O frívolo austríaco é similar ao brasileiro; o fútil do séc. XVIII é similar ao de hoje. Schopenhauer, aqui em Natal, talvez tivesse resultados semelhantes em seu experimento. Isso, é claro, se não lhe furtassem a moeda do bolso, ao distrair-se com a conversa superficial de algum bêbado, balbuciando no botequim da esquina o que há de mais oco, pois, em uma variação da máxima de Quintiliano, da humanidade não se pode exigir fazer o que lhe parece impossível. E, como se disse de várias formas, no que concerne ao humano, o possível coincide com o medíocre.

6 comentários:

Anônimo disse...

Quer saber? Sou mulher e gosto muito de vez em quando jogar conversa fora...Mas quem não gosta? Isso não quer dizer que é mediocre, pois já conversei coisas importantes e também fúteis com os mais "letrados" na Universidade. Afinal,como o texto diz "todos, ivariavelmente, encontran-se e igualam-se no chão, para saborear a carcaça, a carne putrefeita".
Conceição Oliveira

Tassos Lycurgo disse...

Oi Conceição,
Concordo com você em um ponto: em algum sentido, todos somos medíocres, o que não quer dizer, certamente, que cada um de nós não tenhamos alguns momentos sublimes. O fato de você ser mulher, a que se refere no seu comentário, a coloca em vantagem em relação aos homens, pois, além de usufruir dos momentos ímpares e nobres que por que os homens passam, somente as do sexo feminino podem vivenciar a maternidade, que, talvez, seja um desses grandes momentos da vida, um desses estados de verdadeira elevação da alma, em que os momentos mais simples se tornam grandiosos, não é mesmo?
Abs.,
TL

Anônimo disse...

Texto sem esperança. O nome já diz tudo. Schopenhauer, por ter demorado a dar a moeda a alguém. Outros, por não ter tido a idéia de fazer o mesmo que ele fez, tentar dar a moeda(algo de bom) à alguém, e que este não fosse movido pela razão, fosse alguém pensante. Tenho uma dúvida: Será que realmente Schopenhauer tinha o objetivo de encontrar alguém ou o prazer dele consistia em se mostrar superior e não encontrar ninguém que segundo ele, merecesse a sua moeda? Desejava o mesmo que Nietzsche, a quebra da banalidade, da mesmice, da mediocridade, da massificação, fazer o homem livre e único. Acredito que para Schopenhauer, a morte não precisaria ser realmente a morte, seria para aqueles que em vida deixavam a razão comandar suas vidas. Excluindo-se os filósofos, o resto da humanidade era medíocre. Enquanto vida, enquanto ser pensante, os homens são todos iguais, é na morte onde se igualam os diferentes enquanto vivos, até que apareça aquela que ganha todas, a morte, a morte mesmo. Onde as maçãs podres sempre se encontram.
200606360 – Vera Lúcia das Chagas Faustino Alves

Anônimo disse...

Oi Tassos,
Concordo. Li que certa vez o jovem Wittgenstein foi convidado por Russell para assistir uma corrida em Cambridge e no final ficou furioso: "Todo o tempo que não é usado para escrever obras geniais ou para ler obras geniais é tempo perdido", disse ele. Acho que precisamos das coisas triviais do cotidiano para nos sustentar. Como disse Cioran, "Ando em torno das profundidades, colho algumas e fujo, como um escroque de abismos".
Claudio

Tassos Lycurgo disse...

Grande Prof. Claudio Costa,
É uma honra tê-lo aqui no blog.
Receba um abraço,
TL

Anônimo disse...

Acho que tem hora para tudo. Muitas vezes, depois de um dia exaustivo de elocubracoes mentais, um bate papo descontraido na cervejinha com os amigos, "falando mal da vida alheia" e dando risada vale uma noite de sono. O riso, a gargalhada, transforma as energias, o cansaco vai embora, a energia muda. Mas passar uma vida na futilidade, na indolencia, na intriga é escolha de quem nao tem mais nada a oferecer. Somos humanos, sim. Por isso precisamos aprender com todas as situacoes proprias da vida. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra... diria minha sábia Mãe.

Isis de Castro
200610651