sexta-feira, 25 de abril de 2008

Momento para Refletir: A Arte e a Política

O cartaz acima, de autoria do artista Zeh (veja outros cartazes no excelente blog "Semana em Cartaz"), é uma manifestação relativa ao aumento da popularidade do presidente da República. Não há dúvidas de que é uma arte que almeja ter fim social (de mudança da sociedade), mas o interessante a saber é se o caráter social é ou não elemento central da obra. Ora, não creio que ela venha a influenciar a popularidade do Sr. Lula, mas, também, não penso que isso diminuirá a importância do cartaz em questão. Assim, uma obra artística que se diga com função social e que não tenha a menor efetividade no que diz respeito ao que almeja, ainda pode ser considerada arte? Ou, do contrário, há elementos na obra que são independentes de seu intuito social os quais são suficientes para garantir o seu caráter artístico e a mencionada função social nada mais é do que característica secundária, adjacente da obra, não servindo para caracterizar algo que possa ser entendido como função social da arte? O que pensam?

Aviso: filme "Cinema Paradiso"

Nesta sexta-feira (25.04.08), continuaremos a discutir a forma pela qual a arte pode mostrar (ou dizer?) o amor. Para tanto, começaremos assistindo ao filme Cinema Paradiso, que relata uma história de amor paternal entre Alfredo e o garoto Toto.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Décima Sexta Questão de 2008.1: O Amor

O tema de discussão tanto da última quanto da próxima aula foi e será o amor. Particularmente, escrevi algumas palavras a respeito (v. blog "Crônicas de Tassos Lycurgo"), as quais reproduzo abaixo. Gostaria, contudo, que vocês refletissem mais sobre a questão e pensassem se é possível para a arte dizer o que é o amor ou, do contrário, o máximo que ela pode fazer é mostrá-lo. Naturalmente, é preciso que você use a distinção entre dizer e mostrar, construída em sala de aula.

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O Amor
Por Tassos Lycurgo

Cicinho e Cicinha nasceram na serra. Dia, noite e mais outros tantos. No fim de tudo, Seu Ciço, setenta de seis; Dona Ciça, sessenta e oito; ambos, somados, mais de quatro mil. Ei-la, inconfundível, a aritmética da vida: é o tempo que passa menos aqui do que acolá, na esquina do outro lado da rua, onde está toda a matemática que importa. Dos dezenove filhos de Dona Ciça, sobraram sete. Dos outros doze, há tanto de se contarem mortes de doença quanto de ruindade. Dos que ficaram, cinco são bons; dois, cabras-de-peia mais brabos que onça e mulher sem muito estilo juntas: um exagero sem exageração visto que é verdade.

Seu Ciço é mais que muito feliz, felicíssimo. Dona Ciça, também, talvez. Ela não mostra muita emoção, é taciturna demasiadamente Cariri. Seu Ciço faz muito pois é agricultor. Planta. Planta. Planta. Colhe: uma vez para três, mas não reclama não. Planta na serra mesmo, tudo inclinado: o terreno, a plantação, a chuva, o chapéu de palha, a enxada e o pensamento. Pensamentos inclinados poderiam tornar o mundo todo de ladeira: nada reto, que dá sono demais e não serve muito.

Dona Ciça fica em casa e trabalha nas coisas pequenas mas mais que grandes: costura, cozinha, cuida das crianças, ora aos montes, que ficam e que vão. Cria as que consegue com seu código particular de entender a vida: café, farinha, feijão, cuscuz, batata, algum frango e o resto é apenas moralidade inata. Certa vez mandou o menor, de quatro anos há pouco cumpridos, deixar a marmita na roça para o pai comer. Foi, subiu a serra, mas fez tarefa pela metade, pois voltou e disse para mãe que tinha visto cobra jararaca no caminho. Não matou?! Perguntou-lhe Dona Ciça, quem, em face da negativa, mandou que voltasse e matasse pois quem já se viu deixar marmita e, na volta, não matar bicho peçonhento. Criança de quatro anos, dentro dos cinco, já devia saber disso.

Seu Ciço e Dona Ciça envelheciam mais e mais. Nunca tiveram aqueles questionamentos do subsolo, chamados de metafísicos pelos estranhos. Nunca, nem uma vez quando conversavam. Chegaram, é verdade, a pensar de onde vem o vento, mas logo sentiram que o movimento é a essência de tudo que está na serra. Na ladeira tudo corre para baixo. Era o Heráclito de hoje e, com base no espaço ladeirento explicava do sol ao sono e mais todas as palavras da letra esse e também das outras do alfabeto, exceto as da letra agá, que nem aparece no nome.

Certo momento, chegou o tempo de morrer dos dois. Seu Ciço foi antes. Morreu e pronto. Estava salvo há muito. Dona Ciça, logo no outro dia, teve raiva dele: deixou-a lá, depois de tanto sofrimento, tanta alegria e tanto cuscuz que fez quando tinha milho, que, graças a Deus, era quase sempre. Teve ódio, ira, rancor, raiva e tudo o mais de ruim que um coração frágil da serra suportaria. Maldisse Seu Ciço umas quinhentas mil vezes ou mais, se considerarmos o reflexo da velha que ora se fazia no açudinho que lutava contra filete de riacho que descia de uma nascente do alto da serra.

Uma semana depois, não tinha mais raiva. Dona Ciça tinha uma sensação estranha de pensar o que nunca pensara: a vida. Eram, nascendo na decrepitude, os pensamentos do subsolo. Quase oitenta anos mais que noventa e tudo assim tão rápido. Um dia, um ano, uma década, uma vida todinha, sem faltar quase nenhum pedaço. E aquelas reclamações e todos aqueles problemas impossíveis do tamanho da serra toda hoje cabiam juntos em qualquer um desses buracos da parede.

Dona Ciça entendeu a vida para começar a morrer aos poucos. Via a ladeira da serra e, com base na inclinação, não conseguia explicar o que tinha acontecido com ela: a vida vivida todinha sempre sem explicação. Sempre o fundamento da realidade ladeirenta lhe fora suficiente para tudo o que existia — menos para a existência de tudo — e, agora, além de Seu Ciço ter abandonado a vida e a serra, a própria ladeira da serra abandonava Dona Ciça e não mais explicava o mundo.

Respirou, respirou mais uma vez e a última: então também morreu. Nunca, até agora, alguém havia contado a história deles, que é uma história, apenas, sem outras coroas senão a maior de todas: a de conseguir mostrar o que a linguagem, com suas palavras desesperadas, não poderia dizer, pois é inexplicável até pelas ladeiras de todas as serras, mas que está presente naqueles cujas vidas são como os poemas que apenas por trás das tintas das palavras e das celuloses dos papéis denunciam o verdadeiro amor. De Seu Ciço e Dona Ciça, restou a comprovação de que o amor, assim como tudo o mais que é pensamento do subsolo, não é dizível, mas apenas pode ser mostrado para os que já o sentem e silenciam no sofrimento de viver com a maior sina da nossa linguagem: a de apenas poder dizer o que é verdadeiramente desimportante e medíocre e que, portanto, muita vez nem precisaria ser dito.

Momento para Refletir: Existe Função Social na Arte?

As Artes Visuais podem submeter-se a ideologias e, assim, servirem de meios para provocação de mudanças na sociedade? Ou, do contrário, imagens como a acima exposta não podem ser consideradas arte e, uma das razões para tal, é que têm uma função social (no sentido de ser um instrumento de mudança do comportamento e da sociedade). Qual a sua opinião a respeito?